22 de julho de 2018

Sobre publicação de RPGs nos tempos atuais


RPG em livretos

De Olivia Hill, tradução Hiram Alem com permissão da autora.
______

Então… design de jogos. Quanto mais eu exploro, mais eu sinto que ensaios e livretos funcionam bem melhor para o formato do que livros. O Manifesto Comunista foi um livreto de 80 páginas e conseguiu cumprir seu objetivo e além.

Quando eu trabalhava para a White Wolf eu insistia para fazermos Vampiro 5E como um livreto. 60–80 páginas. Com regras o bastante que você poderia, literalmente, imprimir em uma carta de baralho. Mas eu recebi respostas negativas por que “nosso público gosta de coleções.” Isso quer dizer que a jogabilidade e o foco precisavam ser secundários em relação à forma. A forma, nesse caso, tinha que ser um tomo com uma espinha que fosse imponente em uma estante e tivesse uma durabilidade de 20 anos ou mais e, talvez, fosse aberto apenas uma vez. [continuar lendo]


Meu modelo se aproximava mais de um serviço por assinatura. Faríamos um livreto base e “livreto de clã”, um por mês ao longo do ano (com um mês a mais só pra garantir). No meu modelo cada clã teria uma abordagem ousada e diferente, com diferentes escritores e desenvolvedores.

Esses livretos de facção com 40–60 páginas teriam que ser ambiciosos e concisos, focando com precisão nos aspectos importantes e não apenas se esbaldar em listas e superficialidades. As mecânicas de jogo seriam necessárias mas as limitações de espaço demandariam que não houvesse informação desnecessária, apenas comunicação.

Isso serviria a dois propósitos. Muitos fãs não têm condições de pagar $100 ou mais em tomos de capa dura e vários deles ainda querem o livro físico. O design no estilo de livreto economizaria nos custos de impressão, espaço e frete, o que é essencial para fãs estrangeiros.

Em casos que vários fãs não conseguem dar $100 num capa dura, eles conseguiriam juntar $15–20 por mês. Em vez desse formato de tomos gigantes de Financiamentos Coletivos, isso seria muito mais como uma assinatura de quadrinhos. É algo pra manter seu interesse vivo.

Mais importante que o custo monetário é o custo de tempo. Eu não tenho tempo de ler 500 páginas. Se eu quiser jogar com meus amigos, eu talvez tenha uma tarde pra aprender o jogo e prepará-lo. Eu sou uma adulta com uma carreira e uma vida.

Me dê algo que parece maneiro e que eu possa levar no trem. Me dê algo que eu possa ler na viagem pro trabalho ou abrir no meu intervalo de almoço sem ter que carregar uma mochila de acampamento para o trabalho. Me dê algo que, se minhas filhas derramarem suco nisso, eu não vou chorar, vou só comprar outro.

Isso é uma vitória dupla porque não tem nada que impeça você de pegar esses 14 livretos e transformá-los num super compilado de capa dura, com errata e mais editoração. Os colecionadores acabam com um produto muito mais bonito.

Isso também é importante. Você pode cobrar MAIS por esses tomos gigantes, porque aí você vai vender exclusivamente para pessoas com mais dinheiro à disposição. Seus fãs menos abastados podem comprar só os livretos e ter todo o conteúdo sem dificuldades.

Muitas vezes eu vi gente que trabalha na Gamestop ou na Subway que QUEREM comprar aquele jogo novo mas o Financiamento Coletivo dele custa $120. Talvez eles comprem? Mas isso acaba com eles. Eles estão almoçando um salgado pra ter aquela porra de jogo. Isso é um design nada ético e prejudicial para seus fãs.

Esse modelo também é infinitamente melhor para arrebanhar mais fãs. Tenta fazer um cara que não joga dar $120 num livro de capa dura só pra começar. Ou três livros de $60. Isso não vai rolar. Mas experimenta falar pra eles que é um livro de $20 que dá pra ser lido numa tarde? Você tem um público muito mais amplo agora. Em 2018 também temos a possibilidade de truncar regras. Tanta gente agora aprende a jogar com streams e pessoas jogando em vídeos. Você acaba contribuindo para o público desses canais e dando pras pessoas um ponto de referência. Não há a necessidade de ser minuciosa. Eles sabem a experiência que querem.

E deixa eu ser franca: se você não consegue comunicar os conceitos essenciais do seu jogo em 80 páginas, seu jogo não sabe o que ele quer ser.

A questão da forma também é importante. Nem todo mundo tem espaço para vários livros tamanho A4. Por exemplo, no meu apartamento de família no Japão, não há espaço algum. E nossa mesa de jogos? Ela mal comporta as cinco pranchetas que usamos para as fichas de personagem, que dirá qualquer outra coisa.

Eu lembro quando eu tava na faculdade, muitos dos meus amigos viviam nos dormitórios. Eles jogavam LARP conosco. Quando eu perguntava por que eles não tinham nenhum dos livros, eles diziam “eu não tenho espaço pra eles”. Ainda assim eles tinham mangás. Eles tinham revistas. Eles tinham romances.

Livros de RPG de tamanho A4 deixam uma marca horrível e que intimida. É uma forma horrível de Gatekeeping ["acesso inicial"]. Isso diz muito sobre o tipo de jogador que você quer jogando o seu jogo. Eu? Eu quero pessoas novas na mesa.

Muita gente diz que quer vozes diversas nos jogos. Mas, em última instância, o que elas realmente querem dizer é que querem mulheres, negros, asiáticos… que vivem estilos de vida que os permitem ter prateleiras cheias de livros caros e pouco práticos. Isso é menos diverso do que você acha. E com esse talento? Você também está selecionando “pessoas que conseguem escrever por $0,03–0,05 a palavra.” Isso não é um grupo diverso de fato. Nem um pouco. Se seus livros são mais curtos, com um custo fixo muito menor, você é capaz de pagar mais. Isso significa vozes mais diversas.

Esse modelo de assinatura de livreto também remove um dos principais problemas do design de jogos: risco financeiro. Se você usa um sistema de assinaturas tipo o Patreon, você remove a incerteza. Você tem mais ou menos uma base de quantas pessoas estão comprando mês a mês.

Uma coisa que diziam pra nós enquanto sugeríamos livros ambiciosos pra White Wolf era “nós não sabemos se isso vai vender”. Se é só uma edição de uma assinatura, então não é uma preocupação muito grande. Você pode experimentar. Você pode brincar com a forma. Você pode evoluir seu jogo. Elevá-lo.

Ironicamente, quando eu estava propondo minha ideia pra esse modelo de livreto na 5E de Vampiro, me disseram “é uma ótima ideia, mas nunca foi feito antes, então não temos certeza de que é uma jogada segura”.

O formato de livreto também é bom para pequenos pedaços de texto. Isso é ideal para o formato de aplicativos interativos. Se você for capaz de colocar todos os conceitos importantes de cada jogo numa tela de iPhone sem ter que rolar a barra, puta merda, você tem um livro de jogo revolucionário.

Imagina o modelo da White Wolf na qual você tem duas páginas de opções de cada “tipo” de personagem com duas páginas de informações expandidas. Aquilo foi revolucionário pra sua época. Agora imagine fazer caber toda a informação necessária numa tela de iPhone. Como isso muda o jogo completamente. Você acha que não consegue expressar “Brujah” dentro de uma página de um iPhone? Então ou é um conceito obscuro ou você tem escritores de merda. Volte pra prancheta de projetos ou contrate bons escritores.

Parte do problema com o modelo antigo é que quando você está pagando uma miséria e você tem que escrever 500.000 palavras, você tá raspando o fundo do tacho. Mesmo os seus escritores talentosos de verdade têm que cuspir 50.000 palavras por mês (um livro do NaNoWriMo) todo mês pra pagar as contas.

Se seu livro tem 500.000 palavras, seus escritores vão encher linguiça, ponto final. Não tem como escapar disso. Você fica exausto pra caralho dizendo as mesmas coisas de mil formas diferentes. É necessário um tempo pra respirar, de vez em quando.

Mas se você me pagar pra escrever 15,000 palavras nesse mês e então uma sequência de 15,000 dois meses depois, e aí você me paga $0.15 — $0.35 por palavra, eu te garanto que essas palavras vão ser infinitamente melhores que as 210,000 que você teria recebido de mim em um mês pelo mesmo preço.

Isso também se aplica à arte. Bons artistas nem sempre conseguem fazer pinturas detalhadas num A4. Mas, peça pra eles fazer uma arte menor num A5? Eles conseguem mandar muito bem na metade do tempo.

E os editores? A maioria dos bons editores simplesmente não conseguem arrumar tempo pra um livro de 500,000 palavras em dois meses. Aí você fica preso com as pessoas que podem. E sabe por quê eles podem? Porque ninguém quer contratá-los e eles tem que se virar pra conseguir qualquer trabalho que possam encontrar.

Mas, como uma editora, eu consigo arrumar espaço pra um livro de 40.000 palavras. ESPECIALMENTE se eu souber que é um serviço consistente que eu possa contar com ele todo mês e que pague bem.

Eu me lembro a última vez que desenvolvi um livro de 500.000 palavras. O processo editorial foi horroroso. E ele ainda levou meses além do prazo. Isso não foi necessariamente culpa do editor: ela não tava ganhando quase merda nenhuma e tinha que priorizar os boletos a serem pagos. Alguma coisa tinha que sair perdendo.

O ritmo do pagamento é outro aspecto importante. Mesmo se você tiver pagando bem, isso precisa ter constância e ser entendido dessa forma. Ironicamente, TALVEZ eu receba por um livro da White Wolf no qual trabalhei quando meu filho ainda não sabia andar. Talvez. Hoje em dia meu filho tem seis anos.

Você consegue se imaginar como uma profissional topando trabalhos por uma grana merda que você não tem certeza se TALVEZ vai receber em, sei lá, quatro anos? Quem é que consegue fazer isso de fato? A essa altura do campeonato, os profissionais que restam são os que fazem isso por hobby. É esperável que a qualidade caia com isso.

E aí, SE aquele livro me pagar no mês que vem, o que duvido muito, ele vai pagar minha conta de luz. Bem, não a conta inteira porque, graças ao ar condicionado, ela vai vir mais alta, já que estamos no verão. Mas pelo menos paga uma parte. E eu levei uma semana inteira trabalhando nele.

É isso aí. Precisamos de modelos novos. Me dê os livretos. Eu não tenho tido interesse, interesse de verdade, num jogo, há séculos. Eu compro alguns jogos indie aqui e ali. Mas eles geralmente são um lance que eu curto só uma vez e largo de mão. Eu quero mergulhar nos seus mundos e ideias além das primeiras 80 páginas. Engraçado, quando eu fiz aquela sugestão lá em cima pra White Wolf, eles disseram que não conseguiríamos fazer regras numa ficha catalográfica. Então eu as fiz. Eles disseram que não conseguiríamos fazer os clãs em uma única página de celular. Então eu as fiz. Elas funcionaram. Os modelos antigos apenas existem porque temos medo de abandoná-las. E, sem querer parecer negativa mas, não é todo mundo que topa gastar $120 em tomos. Esse número só tende a reduzir. É enxugar gelo.

Jogos indie casuais aqui não são a solução. Eles são maneiros mas não atendem à mesma demanda. Jogos como Vampiro foram grandes porque seus mundos eram grandes. Você poderia realmente mergulhar e fazer Desse Jogo um hobby por si só.

Eu olho pro meu primeiro jogo, Maschine Zeit. Eu o amo. Eu poderia revisá-lo, tenho ótimas ideias pra isso. Mas isso é só revisão. Eu já disse o que queria dizer com esse jogo. Eu não QUIS que o mundo fosse grande. Ele se bastava.

Eu olho pra algumas partes do antigo material do Mundo das Trevas que realmente falavam comigo e por ele ser estranho e peculiar e tão focado num aspecto bem específico do mundo que ele parecia ser REAL Como, por exemplo, o Havens of the Damned.

Era estranho também porque muitos desses livros só existiram porque eles estavam no fim do ciclo de lançamentos e, acima de tudo, parecia que “as ideias acabaram”. Não, elas não tinham acabado. Acontece que todos os conceitos mais genéricos foram cobertos à exaustão.

Mesmo que você aborde ideias estranhas, de merda, tipo “o que aconteceria se uma múmia vivesse num navio pirata?” o modelo de livreto garante que você não estará desapontando sua audiência com seu Único Lançamento em Seis Meses. É só um solavanco, você segue em frente e tanto faz.

E… Múmia num Navio Pirata? Isso é divertido. Isso é uma memória. Isso é uma coisa que seus fãs podem chegar nos eventos dez anos depois e dizer “O que você tava pensando? Tipo, eu amei mas, WOW, isso foi inesperado!” Esses momentos são lindos pra caralho.

Tem um trecho num livro de Shadowrun que escrevi há dez anos que eu ainda recebo algumas perguntas. Eu passei alguns parágrafos falando sobre como Guerrillas preferem muito mais meias limpas do que cyberware, porque consistência não tem preço. Como designers, precisamos de mais espaço para falar de meias.

E eu te digo, como um escritor, ser capaz de zoar e falar sobre meias às vezes é mais interessante do que ter que achar a quinquagésima sétima maneira de explicar que o Sabbat são os caras malvados que acham que são os bonz — *bocejo*

Te juro, se você acha que somos escritores maneiros e criativos então você QUER que a gente pense em merdas tipo meias, em vez de tentar achar uma forma nova e florida pra apresentar conceitos genéricos. Porque nós vamos criar muita coisa foda. É daí meus melhores trabalhos vêm. Porque — rufem os tambores — rpgs são sobre pessoas e suas escolhas. Dar mais espaço para explorar mais escolhas e mais tipos de pessoas? Isso significa mais do que faz os rpgs serem rpgs.

Se você gosta de mim, se você gosta do meu trabalho, eu te prometo que você quer de mim doze livros pequenos por ano do que um grande livro. Você vai receber MAIS de doze vezes a quantidade de conteúdo irado.

É menos arriscado pro leitor também! Imagine comprar um livro de capa dura de $120 que leva uma semana para ser lido e depois se desapontar com ele! Seria horrível. Mas um livreto de $20 que você lê numa tarde? Tranquilo.

Tem muita coisa horrível sobre a minha época com a White Wolf, mas eu realmente queria que aquela versão de Vampiro 5e tivesse existido. Não só por mim, mas para os jogos em geral. Isso teria sido uma oportunidade única e cheia de fôlego.

É isso. Tá decidido. Vou fazer um Patreon. Meu mundo vai ser de livretos, não de tomos. O Manifesto Comunista, não o Das Kapital. Eu quero jogos pequenos o suficiente para que as pessoas possam discordar deles escrevendo outros jogos. Eu quero jogos que possam ser desmembrados e transformados numa mixtape.

Eu quero jogos que possamos emprestar para nossos amigos sem a preocupação de recebê-los de volta. Quero jogos que a gente possa dar para estranhos só porque eles demonstraram interesse e comprar um novo no dia seguinte.

Eu quero jogos para dar para jogadores novos como um presente de boas vindas em um LARP. Quero jogos que a gente não tenha medo de escrever nas margens deles. Quero jogos que não precisemos ter medo de dobrar até a espinha dele.

Livretos. Designers do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder exceto, hmmm, custos de frete absurdos, expectativas injustas, salários de merda e jogos que ninguém tem tempo pra ler!

Ok, essa analogia foi meio longe, mas você entendeu.

(Sobre o modelo de livretis: se você trabalha para uma editora e tem interesse em explorar esse modelo, eu dou consultoria. Eu vou fazer meu próprio material mas tenho interesse em ajudar esse modelo a decolar. Ouse! Pegue a bola que Vampiro deixou cair!)

_____________________

Endereço do texto:
https://medium.com/@hiramalem/rpg-em-panfletos-2183f0b94edd

1 comentários:

Super Sassá disse...

S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L!!! Vou fazer isso com meus jogos!!! Livretos!!! Adorei.